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Os protestos estão atrasados. O que adianta protestar agora? Por que não protestaram antes?

Esgotado o papo do “legado da Copa”, e depois de um envergonhado (e vergonhoso) flerte com o ufanismo no melhor estilo “ame-o ou deixe-o” (ou: “quem é contra a Copa é contra o Brasil”), talvez o “argumento” da militância pró-Copa que melhor tenha sobrevivido à curadoria dos “porteiros” da nossa rede (o cidadão comum que na internet tem o poder de filtrar que informação morre e qual é replicada) tenha sido este: mas o que adianta protestar agora?

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Evidentemente esse argumento vem carregado de conspirações e difamações tão habituais no jogo da política partidária. O que está implícito na pergunta é: “o problema é a Copa ou há interesse eleitoral?”. Claro que também existe a síndrome de vira lata dos que dizem “Brasileiro deixa tudo para última hora. Até o protesto”. Mas esses não podem ser considerados de “militância pró-Copa”. Apenas estão sem entender mesmo.

Não é preciso fazer uma análise muito profunda para compreender as significativas mudanças conjunturais que ocorreram nesses 7 anos – da escolha do Brasil como país sede até agora. São muitas.

Antes, é preciso dizer que grande parte dos jovens que estão indo às ruas hoje, tinham não mais que uns 15 anos quando o Brasil foi escolhido como sede. Talvez até menos. O que já torna o argumento completamente sem sentido.

Mas vamos lá. Há 7 anos o acesso à internet era mais restrito. A alfabetização digital estava em estado ainda mais embrionário. As plataformas eram outras (você provavelmente tinha Orkut, e olhe lá).

Não havia Primavera Árabe, 15M na Espanha, Yo Soy 132 no México, Occupy Wall Street, Occupy Taksim. Não haviam ocorrido as tais jornadas de junho no Brasil.

Seria muita estupidez atribuir (e reduzir) a eclosão de revoltas pelo mundo e o surgimento de novas dinâmicas de mobilização social à uma intriga da oposição do governo brasileiro. Então temos que admitir que os protestos contra a Copa estão dentro desse mesmo cenário.

A tarifa do transporte público, por exemplo, aumentou algumas vezes nesses 7 anos. Mas só no ano passado as manifestações tomaram essa proporção. Golpe da CIA para derrubar o governo e acabar com a Copa? Bem, me poupe… Para não reproduzir esse tipo de discurso raso, é preciso entender esses novos paradigmas.

Mas o que une todas essas revoltas, além da revolução nos meios e plataformas? Quais são as demandas comuns? Por que tanta gente está insatisfeita? E o que a Copa tem a ver com isso?

De modo geral, o cidadão comum está cansado de uma política feita POR poucos e PARA poucos. Está cansado de não ter voz, enquanto meia dúzia de engravatados se fecham em suas salas e decidem os rumos da humanidade. Está cansado de tanto cinismo político. Dessa ilusória disputa onde os únicos que vencem são os que detêm o poder financeiro.

“Não somos mercadorias nas mãos dos banqueiros” diziam os espanhóis. “Somos 99% contra 1%” gritavam os norte-americanos que ocupavam o centro financeiro do país. O mesmo sentimento está presente na reivindicação pelo direito à cidade, sob a bandeira do passe livre, ou do movimento contra a destruição de uma praça na Turquia. Em todos eles o recado é o mesmo: queremos um mundo para todos, não para poucos.

Não é à toa a revolta com a propaganda da Coca-Cola “A Copa de todo mundo”. Não, a Copa não é de todo mundo. A Copa é da FIFA. A Copa é das empreiteiras. Mas a Copa não é minha, nem sua.

A Copa também não é a causa de todos os males do mundo. Mas ela é uma grande representação dessa política que beneficia poucos e exclui muitos. Um grande símbolo do que significa o “desenvolvimento econômico”, que nada tem a ver com “qualidade de vida” ou “bem estar social”. E que muitas vezes é exatamente o oposto.

É o que acontece em uma grande obra, onde o prazo estipulado (time is money!) vale mais que a segurança dos trabalhadores. Ou com a família que precisa se mudar para um lugar ainda mais precário, mais carente de infraestrutura, porque sua antiga casa – que não era sua – valorizou.

Se você quer escolas e hospitais “padrão FIFA”, esqueça essa balela de “crescimento” e comece a repensar todo o modelo político e econômico. No paradigma de hoje, tudo se resume a movimentar dinheiro. E o dinheiro vai para onde ele poderá se transformar em mais dinheiro. Um estádio consegue fazer isso. Um hospital público não. O Neymar faz isso muito bem. O professor não.

Também devemos lembrar que os impactos de um megaevento como a Copa, apesar de serem em grande parte previsíveis, ficam mais evidentes a medida com que se ele aproxima. Há 7 anos atrás o tal “legado da Copa” enchia de esperança grande parte dos brasileiros, que viam a Copa como uma oportunidade do país dar um salto – principalmente em infraestrutura. Mas pouquíssima coisa foi feita. E antes que apareçam aqueles que tentam defender o indefensável: mais importante do que discutir se foi feito ou não, é ver COMO é feito. É feito seguindo as demandas da Copa (óbvio) e não necessariamente da população. Dialogam com grandes empresas e com a FIFA, não com o povo. Com o povo não existe diálogo, existe propaganda e repressão (ambos com custo na casa dos bilhões). Você já tentou dialogar com uma propaganda? E com a tropa de choque? Pois é.

Mas se já está tudo pronto, do que adianta protestar agora?

É muita falta de visão política achar que pôr em xeque um megaevento como a Copa, justamente quando o mundo inteiro está olhando para cá, é algo nulo. Se você acha que não adianta nada, saiba que a FIFA está muito preocupada com o legado dessa Copa. Afinal, daqui 4 anos tem outra. Depois outra. E nenhum cartola da FIFA quer que protestos manchem a imagem do torneio e atrapalhem de alguma forma os seus lucros.

Talvez você não saiba, mas as obras da Copa de 2022 (no Qatar) já mataram mais de 1.200 operários.

Quando a FIFA for embora, a CBF fica. A Odebrecht fica. A cidade vai continuar sendo pensada em função do capital imobiliário. A especulação vai continuar. Até mesmo o processo de elitização do futebol, vai continuar. Tudo isso vai continuar, independentemente de quem seja eleito neste ano. Pode estar certo disso.

Então, considerando que os políticos eleitos não vão tomar nenhuma medida para de fato democratizar as tomadas de decisão, que vão continuar governando em função do capital financeiro, podemos dizer que é muito mais importante se opor à Copa do que “votar certo” nas eleições.

No jogo das urnas, estamos falando em uma escala de milhões. Milhões de votos, que no fim, são direcionados pela propaganda. E vai se eleger quem tiver mais dinheiro para investir e mais tempo na propaganda gratuita. Seu voto não vale nada na prática.

Já nas ruas, o jogo é outro. Algumas milhares de pessoas podem fazer grande diferença.

Então, #VemPraRua!

Créditos: Movimento Pró-Corrupção

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