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Especismo e Somatofobia: Ou, do assassinato de bebês felinos por professora de Biologia!

[Não se assustem com essas duas palavras estranhas, elas apenas designam gestos muito comuns. Só os nomes deles é que são novos, porque somente há pouco tempo tratamos disso, filosoficamente, no Brasil.]

A notícia da professora de Biologia do Instituto Federal do Espírito Santo em Piúma, não é uma notícia sobre alguém que surtou, conforme comentário feito no post do Olhar Animal (Maurício Varallo).especismo-somatofobia-Professora-biologia-acusada-estrangular-quatro-gatos-em-Piúma

O ato da professora de Biologia é o retrato escarrado do que chamamos moral especista: o ato de quem pratica a violência contra um tipo de animal, o mais indefeso e vulnerável que se possa imaginar, recém-nascidos que ficaram órfãos, um ato somatofóbico, pois julga que para eliminar o seu problema tem que eliminar o corpo dos animais que estão em apuros. Isso é somatofobia pura.

Mas, essa professora, segundo noticiado pelo jornal Folha Vitória na noite de 10 de abril de 2014, diz que é contra a vivissecção, o que é totalmente louvável, e usa o argumento de que até tratou da questão dos animais em sua tese. Julga, com esse argumento, poder então justificar o assassinato dos quatro bebês felinos órfãos. Parece que ela aprendeu as coisas apenas pela metade. Não teve realmente qualquer formação em ética, muito menos em ética animal. Normal. Os cursos de biologia não dão uma formação filosófica para lidar com a vida. Lamentavelmente.

Ao ler o argumento dela, de sua “misericórdia” moralmente esquizofrênica, com uma face opaca (a misericórdia que mata o outro para livrar o agente de um problema, algo que não é eutanásia, apenas assassinato), e a “misericórdia” com uma face iluminada (a que se opõe à vivissecção, por julgar que os animais não devem ser mortos para resolver os problemas humanos), foi inevitável lembrar-me da moralidade doentia do Hitler, que dizia ter compaixão pelos animais e mandava oferecer água aos animais transportados em trens para os abatedouros de carne para comer, enquanto deixava morrer de sede no mesmo verão os prisioneiros transportados também nos trens para os centros abatedouros de carnes que não seriam usadas para comer, mas em alguns casos foram usadas para fazer sabão, a pele foi usada para fazer abajur, os ossos foram usados para fazer botões…

Sempre, para sofrer o abate, aí estão as carnes vivas de animais indesejados pelo agente violento. Esse é o resultado da moral especista elitista e eletiva, somatofóbica, na qual todos nós fomos formatados. Essa professora de biologia, os jovens, suas famílias e toda a espécie humana, levam consigo um tipo de pensar que encontra no descarte a porta de saída para quaisquer problemas que demandem do agente um cuidado e uma atenção, uma presença e um calor que ele não está disposto a dar. Essa é a “solução final”.

Os recém-nascidos felinos, obviamente, estavam sem comer (desnutridos), sem beber (desidratados), com frio (sem o calor e a proteção que o corpo da mãe deveria garantir para eles, mas ela estava morta, não podia atender à demanda deles). A morte é fria. Como se pode resolver o problema do frio, dando, a quem gela, a morte? A morte é seca. Como se pode resolver o problema da desidratação, dando, a quem tem sede, a morte? A morte é absoluta ausência de nutrientes. Como se pode resolver o problema da desnutrição, dando, a quem tem fome, a morte? A morte apenas segue seu perfil de decomposição, e ele é frio e ácido. O amor, o calor, a presença, o nutriente e a luz integram, dão liga, mantém o sopro da vida em sua leveza.


Dar comida, hidratar e aquecer quatro pequeninos felinos se configurou, para essa mulher adulta, saudável e com condições materiais para realizar tal “façanha”, em um desafio que somente heróis poderiam encarar. Para resolver os três problemas práticos dos quatro bebês, problemas que implicavam apenas em dar manutenção ao corpinho deles com alimento e aquecimento, a professora pós-graduada em Biologia só teve uma solução: matar os filhotinhos.

Para muitas mentes formadas nas universidades desnutridas e geladas moralmente, mesmo nas áreas destinadas a ensinar como preservar a vida sem discriminar a espécie, os desafios de manter vivas as criaturinhas de outra espécie que só tiveram tempo de nascer e já perderam sua progenitora, o leite e o calor, foram excessivos.

A mente formatada na moral antropocêntrica especista eletiva (a que elege certos animais para dar carinho, calor e comida e outros para estrangular, envenenar e matar para comer) tem apenas um verbo como chave para abrir a porta de descarte de todos os animais que aparecem “só para dar trabalho”, para complicar, para atrapalhar a rotina e a agenda cheias: descartar. Descartando o animal da vida que mal começara, o problema da professora foi resolvido?

Não fossem os jovens estarem hoje muito bem ligados nas questões morais do seu tempo, estarem muito ligados na sua própria condição animal, estarem antenados na mesma sintonia da vida dos pequeninos destruídos, confiarem em seus pais para relatarem o ocorrido em casa; e não fossem os pais também estarem mais conscientes de que não podemos lidar com a vida alheia como se a vida dos outros sempre fosse algo que podemos dominar, para o bem ou para o mal, esse ato da professora de Biologia teria passado despercebido, do ponto de vista moral, social e pedagógico.

Graças aos jovens estudantes que foram forçados a assistir à cena do extermínio dos quatro bebês felinos – feito os jovens que foram ver animais no zoo de Copenhagem e foram forçados a ver os funcionários do zoo matarem um adolescente girafa para dar de comer a um leão (mais uma vez especismo eletivo, a vida de um animal é considerada mais valiosa do que a vida do outro) –, o conceito de “misericórdia” da professora ruiu.

Como professora de biologia, ela tinha quatro exemplares de uma espécie que precisavam de alimentação e calor. Mesmo pós-graduada, seu cérebro não conseguiu reunir as informações básicas necessárias para agir no sentido de preservar as quatro vidas, dando aos animais justamente o que eles precisavam: nutrientes, hidratação e calor. Coisa mais difícil do mundo, não é mesmo? Então, a única ação “misericordiosa” para atender alguém que precisa de comida, água e coberta é matar, professora?

E assim ainda funciona a mente da maioria das pessoas. Logo que a vida de um animal, não-humano ou mesmo humano cobra cuidados, a formatação moral especista apresenta a solução: exterminar o corpo carente. É assim que aparece a solução do problema, sempre como a “solução final”.

Sem inteligência emocional e moral alguma, sem ética alguma, o indivíduo não percebe que seu ato compulsivo de “tirar” do caminho o animal carente pode apenas lhe trazer ainda mais problemas. O animal que demandava atenção e cuidados já não existe mais na vida de quem o descartou. Mas, com certeza, a vida dessa pessoa agora é que passa a ter carências que não tinha até cometer o ato impulsivo de descartar da vida a vida alheia, algo valioso, para economizar alguns minutos do seu tempo em sua agenda já cheia.

Sem estruturação ética para lidar com o valor da vida alheia, mesmo os profissionais mais bem intencionados acabam por funcionar moralmente seguindo o padrão tradicional: antropocêntrico, especista e somatofóbico. Mas estamos mudando isso. Da próxima vez, espero, os estudantes interferirão imediatamente e ensinarão à professora como cuidar de três pequeninos felinos órfãos. Essa professora e seus alunos já deveriam ter visto a animação do Instituto Nina Rosa: Vegana.

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