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É correto (ou necessário) consumir ovos? Qual o impacto dessa atitude?

Primeiramente, devemos perguntar o que são galinhas soltas?
Seriam as milhares de galinhas que vivem em galpões fechados dentro de gaiolas com outras irmãs e que são “soltas” quando chegar a hora de terem suas vidas ceifadas?

Seriam as milhares de galinhas que vivem “soltas” aprisionadas em um galpão fechado que as mantém em um ambiente construído engenhosamente para servir de estímulo a produção intensa de ovos? Certamente não.

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Seriam as galinhas que vivem em galpões abertos, sem gaiolas, onde a hierarquia e o convívio entre elas é impossível de existir por viverem milhares em um mesmo ambiente, as famosas Free-Range? Certamente não. Galinhas são seres sociais, estabelecem ‘hierarquias’ entre si e possuem a capacidade de memorizar aproximadamente até 95 indivíduos o que não é possível quando vivem milhares juntas, ocasionando confusão, stress e briga entre elas.

Ok. E quanto ao ovo da galinha “solta” daquele meu tio-avô bonzinho que cria poucas galinhas lá na fazendinha dele?

Essa é uma pergunta muito recorrente e o excesso de “inhos” ou “diminutivos” e outros eufemismos usados na frase já demonstra sua real intenção de cavar uma brecha para continuar consumindo ovos e menosprezar o tratamento utilitarista dado ao animal (“valorizar” o animal segundo sua utilidade criada pelo ser humano).

Sim, as pessoas dizem exatamente dessa maneira: “Ok. Ovos de galinhas criadas industrialmente é cruel, mas e SE… tiver uma galinha lá no quintal…”.

Se você está lendo esse artigo, após ele ter sido publicado em algum debate na rede social ou após ter passado por uma conversa desse tipo recentemente, provavelmente você deve estar “rindo” (ou lamentando), pois é exatamente isso que alguém num bate-papo qualquer deve ter dito.

Como afirmei a pouco, isso é muito comum e só é útil para tentar cavar uma brecha, uma aceitação na esperança de que os veganos digam: “Ahh… OK, pode consumir esse ovo em paz” e com isso a pessoa poder continuar com seu consumo de ovos de galinhas “soltas” sem ter que ficar com a consciência pesada.

Basicamente, as pessoas fazem essa alegação por dois motivos: para tirar suas dúvidas sobre o tema ou para tentarem encontrar uma aprovação, uma brecha (não por maldade, mas sem perceber tentam cavar uma brecha para consumir ovos para que não tenham que mudar os hábitos), sem notar que no fundo estão procurando uma forma de manter o consumo.

Que bom (para os animais) que nem todo vegano deixa essa questão passar e é flexível com o consumo desses ovos, pois eles também implicam em especismo, objetificação e escravidão animal.

Dito isso, podemos analisar outros pontos que mostram o problema ético de consumir ovos até mesmo da fazendinha do tiozinho bonzinho. Um desses pontos é que a “bondade” da maioria dessas pessoas estende-se ao animal apenas enquanto ele é útil (quando ainda bota ovos e proporciona dinheiro ou “alimento”), passado alguns meses quando a produção de ovos cai, aproximadamente com um ano e meio, ou quando a fome bate em um domingo qualquer, esse animal vai para panela, sem nenhum remorso.

Na maior parte dos casos de criação de galinhas em fundo de quintal, os ovos são vendidos e a galinha vira o almoço de domingo. Para quem considera que a criação de galinhas em fundo de quintal não é problemática, assista o Especismo contido no vídeo (clicando aqui no link).

Afinal, existe ou não existe galinha solta?
Sim, claro que existe. Poucas galinhas, mas ainda existe galinhas que são verdadeiramente soltas, vivem em florestas tropicais e subtropicais na Birmânia, Índia e outros. Obviamente, essas não são criadas por seres humanos, por isso, são realmente soltas, não estão em gaiolas, nem em galpões, nem envolvidas em cercados que as limitariam em um terreno e nem estão cercadas por gente babando para pegar seus ovos, são essas as verdadeiras galinhas soltas, que foram, em sua maioria, retiradas da natureza e domesticadas por séculos e sofreram décadas de seleção e modificação genética para que seja possível a existência das “máquinas de botar ovos” de hoje em dia, que se encontram em criações industriais e “familiares” e que são chamadas de “galinhas poedeiras”.

A Galinha Vermelha Selvagem (Gallus Gallus Gallus) é a verdadeira galinha solta, ela vive na natureza e chega a botar até 15 ovos por ano, enquanto suas descendentes domesticadas podem chegar a botar de 250 a 300 ovos por ano (o que não é nem um pouco saudável – para o corpo do animal).

Essa eficiência em quantidade de ovos é lucrativa ao explorador, reduz o preço ao consumidor, mas quem paga o preço real é o animal que passa a ter diversas complicações resultantes desse processo de interferência humana na aceleração da produção interna de ovos como desnutrição, sobrepeso, prolapso uterino, tumores, enfraquecimento ósseo e até mesmo ovo vinculativo (grandes ovos que ficam entalados e são expelidos lenta e dolorosamente), em alguns casos, é necessário cirurgia para a retirada do material que chega a apodrecer dentro da ave e não vamos esquecer que uma criação de milhares de galinhas em galpões fechados ou abertos, não possui um cuidado detalhado com cada galinha e parte das chamadas “perdas naturais” são de galinhas que possivelmente morreram de diversas doenças do ambiente, foram pisoteadas umas pelas outras ou sofreram uma lenta e dolorosa morte com ovos entalados em seus corpos.

Quanto ao aspecto defendido por aqueles que acreditam ser correto consumir ovos de galinhas “soltas” em fazendas ou até mesmo que não concordam com o consumo de ovos, mas possuem dúvidas sobre essa questão, vamos nos atentar a outros pontos cruciais desse impasse, além dos que já foram detalhados até aqui.

É claro, que existe um outro tiozinho de sítio em particular que cria galinhas “soltas” e que não é uma dessas pessoas mencionadas acima, ele é uma exceção a regra, ele é realmente bom para com os animais e deixa¹ as galinhas morrerem de velhice e as pessoas certamente vão se aproveitar dessa “bondade” para justificar o consumo de ovos, não é mesmo?

Qual seria o problema de consumir ovos da fazendinha do tio que não mata a galinha? Existe algum problema ético nisso? E essa galinha pode ser considerada uma galinha “solta”?

Sim, existe problema em consumir ovos também nessas condições, em todo consumo de produtos de origem animal existe abuso, no caso o problema ético em consumir ovos de galinhas “soltas” (que não serão mortas por mãos especistas) são consequências semelhantes a todas as outras formas de criação de animais para produção de ovos:
animais não existem para servir o ser humano: o fato é que independente do modo de criação (industrial ou familiar), com morte premeditada ou morrendo naturalmente por velhice, os animais não existem para satisfação dos interesses humanos, e isso é um ponto fundamental dos Direitos Animais, todo uso que é feito deles, é feito de forma impositiva (contra sua vontade) e consumir esses ovos é concordar e perpetuar esse pensamento especista de que animais existem para atender nossos interesses;
incentivo ao consumo de ovos: consumir ovos de galinhas em qualquer condição, passa uma mensagem de incentivo ao consumo de ovos para a sociedade, fortalecendo isso como algo natural e aceitável (algo para não ser questionado, afinal, “todo mundo” come, qual o problema?) e contribuindo principalmente com o consumo de ovos daquelas galinhas que estão, em sua maioria, em situações mais sofríveis;
domesticação e interferência genética: ovos são produtos de injustiça, galinhas criadas industrialmente ou criadas em “fazendinhas familiares” produzem mais ovos do que o normal, isso é fruto de uma seleção e modificação genética imposta pelos seres humanos para intensificar e aumentar o número de produção de ovos, até a ração dada a esses animais foram criadas pensando nesse objetivo de produção, os animais são vistos como máquinas de botar ovos, são vistos como uma propriedade, consumir ovos é concordar com essa injustiça genética desenvolvida para atender a demanda de ovos;
violência e utilitarismo: o uso e a exploração vai além da condição que o animal é criado, vai muito além do maus-tratos visível, a violência existe até mesmo antes do animal nascer com os cruzamentos forçados e planejados para obter um animal mais produtivo (mesmo que isso afete a saúde do animal);

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Como já foi dito acima, galinhas criadas no fundo de quintal, respeitando condições mínimas de bem-estar (abrigo, alimento, banho de sol, etc), ainda assim não são galinhas soltas. Galinhas soltas são aquelas que vivem na natureza, galinha livre não vive em um ambiente cercado por madeiras ou concreto, ou qualquer outro material desenvolvido por mãos humanas com objetivo único de mantê-las aprisionadas, cercadas, impedindo que elas circulem livremente para outro lugar e obrigando elas a viverem a maneira que queremos, que impomos, que domesticamos.

Se topar com uma rara galinha solta (verdadeiramente solta) na Índia, na Sri Lanka e outras poucas regiões onde elas ainda existem na natureza e você tiver a sorte de ver ela botar o ovo dela na sua frente, o que seria uma especulação totalmente fictícia, visto que elas não botam ovos em qualquer lugar, nem mesmo botam perto uma das outras, pois no momento em que elas botam, a coacla fica exposta e elas temem que outras galinhas possam encostar e machucar essa parte super sensível de seus corpos, mas se por acaso, você tiver essa rara oportunidade de ver esses animais livres e seus ovos, lembre-se que seres humanos não possuem nenhuma necessidade nutricional (obrigação biológica) de consumir ovos para obter saúde, simplesmente não precisamos ingerir animais ou suas secreções, as pessoas o fazem por cultura e conveniência e não por necessidade, ou seja, temos escolha quanto a isso e lembre-se também que a galinha pode muito bem querer transformar o ovo dela em um pintinho ou pode querer consumir seu próprio ovo como alimento para si própria na natureza (para repor os nutrientes que são dela por direito e que ela perdeu quando botou para fora). Sim. Galinhas consomem seus próprios ovos e outros animais na natureza também o consomem, além do próprio ambiente.

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Como pode ver a dificuldade de encontrar e consumir ovos de galinhas soltas é imensa (ou fictícia mesmo), uma chance em um bilhão, além de toda dificuldade de encontrar você precisaria de um motivo sensato (ético) para consumir e para isso acontecer a sua situação deve ter alguns requisitos básicos (estar vivendo na natureza, sem muito direito a escolha, e em estado de extrema fome, onde você esteja entre a vida e a morte (e o ovo seria a única fonte “comível” a sua frente – o que é outra mentira, existe uma variedade de alimentos na natureza mais fáceis de serem encontrados do que esses raros “ovos de ouro”), do contrário, você não deveria consumir ovos em natureza e principalmente não deveria fazer isso em sociedade, que possui uma imensidão de vegetais muito maior à disposição.

Parar com paliativos, parar de criar desculpas e praticar o Veganismo é uma boa atitude pelos animais, não dói e colabora muito para que outras pessoas vejam seu exemplo de mudança e mudem também, aumentando assim o número de pessoas que realmente se importam com os animais na teoria e na prática. Você pode consultar receitas vegetarianas (sem “ingredientes” de origem animal) na categoria receitas do nosso site.

Notas:
¹ Deixar os animais morrerem de velhice é tido como uma atitude louvável e caridosa, respeitar o direito do animal de viver sua vida naturalmente é importante, mas não tem nada de louvável nisso, é apenas nossa obrigação moral, respeitar que outros indivíduos (seja da nossa espécie ou não) possam viver o fluxo natural de suas vidas segundo suas próprias intenções é uma premissa básica, o mínimo que podemos fazer é permitir que o animal siga esse fluxo (é lamentável ainda que eles precisem dessa permissão humana, ou seja, da nossa não interrupção na vida deles) e muito mais lamentável é usar essa atitude “caridosa” de um fazendeiro que deixa galinhas morrerem de velhice para justificar o desejo e praticidade de consumir ovos.

² Esse texto tem o objetivo de responder especificamente sobre o consumo de ovos de galinhas “soltas” (Free-Range e outros modelos aparentemente menos danosos) para saber mais sobre a realidade da maioria das galinhas criadas atualmente, acesse: “Ovos, o que você está realmente comendo?“.

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