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Nota.

Ou o que pensamos sobre a Segunda Sem Carne

Essa nota de esclarecimento visa informar aos leitores o motivo por qual decidimos retirar o apoio ao Vegfest, realizado pela Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB).

 

Primeiramente, devo fazer algumas (seis) considerações iniciais de extrema importância:
Não se trata aqui de uma conflagração, uma guerra, apenas um pedido URGENTE de reflexão e mudança de postura da entidade, caso queira se nomear como uma entidade a favor dos animais.

– Tivemos o cuidado de prestar esclarecimentos a SVB sobre o motivo do pedido de retirada de apoio ao Vegfest, e da mesma forma também devemos  esclarecimento aos leitores do site, muitos dos quais questionaram o vínculo.

– Esse texto não se trata de motivações pessoais e sim de cunho ideológico e ético, até por que, infelizmente, não conheço todos os envolvidos com a entidade, espero conhecer todos algum dia e os quais já conheço são meus amigos.

– Para aqueles que não conhecem a diferença de peso do uso do termo vegetarianismo x veganismo ou o problema ético de se usar o vegetarianismo como porta de entrada, por favor, consultem informações sobre a teoria abolicionista de Gary Francione (trechos em áudio aqui).

– Em resumo: abolicionismo ou abolicionistas, é quando se considera que não só o sofrimento dos animais, mas o uso deles para benefício humano, independente do tratamento, é um problema moral e defende-se, portanto, o fim da exploração animal, diferente do bem-estarismo ou bem-estarista que não considera um problema ético usar ou matar animais desde que ele tenha tido um tratamento mínimo “adequado”.

– Para os protovegetarianos (geralmente ovolactovegetarianos) não se sintam de forma alguma lesados, apenas provocados para também mudar, mas entidades de direitos animais, pelo menos as que são, ou as que dizem que são, ou pretendem ser, devem se posicionar claramente sobre suas propostas, no caso, a favor dos próprios animais caso desejam se envolver na causa, portanto, sendo favoráveis aos direitos animais em sua plenitude, e isso inclui incentivar e promover exclusivamente o veganismo, e não o “vegetarianismo ovolacto” ou promover campanhas que denunciem apenas a questão da carne, sendo que os derivados animais, causam mais exploração, sofrimento e morte, do que a carne em si, e independente disso o problema moral está em todo e qualquer produto de origem animal.

 

A partir disso, acredito que possamos entrar em questões específicas e a primeira delas, assim como a maioria delas dizem respeito a Sociedade Vegetariana Brasileira e não ao Vegfest e seus palestrantes, muitos dos quais são veganos, alguns importantes ativistas, ainda que outros grandes nomes não estejam presentes no evento, como a filósofa Sônia Felipe, o historiador Bruno Müller, entre outros.

A entidade, simplesmente, não se posiciona como bem-estarista ou abolicionista, até por que de fato ela não é uma entidade pelos direitos animais, pelo menos ao que me parece e confere em seu estatuto, sendo assim ao meu ver ela é uma entidade dietética que promove o vegetarianismo, podendo ou não utilizar laticínios ou ovos (Cap. II, Art. 5, Parágrafo 2º).

– Particularmente, e uso aqui uma explicação mais criteriosa da Sociedade Vegana Brasileira sobre a confusão dos termos no vegetarianismo, não considero o vegetarianismo como podendo incluir derivados animais, simplesmente, por que da mesma forma que peixe não dá em árvore, ovo não brota da terra, e queijo não é fruta.

Ainda assim, a SVB promove algumas campanhas relacionadas aos animais, em sua maioria com uma temática protovegetariana, a considerar pelo menos pelos nomes das campanhas, como a merenda vegetariana, um projeto que visa implantar merendas vegetarianas nas escolas, o que considero extremamente importante, caso a mensagem e a ação seja completa, ou seja, promova uma merenda vegana, seja isso pelo bem dos animais, ou também visando a saúde das crianças. Infelizmente, não encontrei informações online suficientes para saber se a merenda é protovegetariana com a inclusão de derivados ou vegana, eis aqui um problema que considero grave, a relatividade, não consegui encontrar informações suficientes para saber o posicionamento da entidade, se está de um lado ou de outro, se incentiva o uso de queijos, laticínios, mel e ovos para as crianças ou o veganismo, e isso é de fundamental importância, principalmente pela grandiosidade e oportunidade da campanha, e pelo que indica em seu estatuto (Cap. 1 Art.1) a entidade visa a promoção do vegetarianismo e não do veganismo, portanto, vejo uma margem para acreditar que a merenda seja com a inclusão de derivados, o que seria um desperdício.

Quem pensou que se prender a detalhes de termos e nomenclaturas é tolice, vale ressaltar novamente, que existe mais exploração em derivados do que na carne propriamente dita (para quem duvida de tal informação, por favor, pesquise e veja), e essa campanha é aplicada as milhares de refeições nas escolas e pode ter um tremendo impacto positivo ou negativo, caso seja vegana ou vegetariana, principalmente, em relação aos animais.

 

Uma outra campanha, um tanto quanto polêmica, é a Segunda Sem Carne, segundo o próprio site da campanha, ela visa conscientizar as pessoas sobre o meio ambiente, a saúde humana e os animais em relação ao impacto da carne, exclusivamente da carne.

Apesar de não ser o foco aqui fugir das questões dos direitos animais, mas pensando na defesa do veganismo e no bônus (consequência e não razão de ser) que ele gera em outras esferas, vou citar apenas dois dados, um em relação ao meio ambiente e outro em relação a saúde, segundo a própria Sabesp 1 kg de carne de frango gera 3.700 litros de água, enquanto 1 kg de queijo (derivado) gera 5.200 litros de água, no quesito saúde a Physician Committee for Responsible Medicine afirma que quanto maior o consumo de laticínios maior o risco de fraturas ósseas, portanto, a promoção do veganismo torna-se mais interessante também nesses dois fatores.

Em relação ao foco principal, que é os direitos animais, uma campanha que promova apenas o problema relacionado a carne e apenas em um dia da semana é incompleta, pois acaba tomando apenas como um problema ético o consumo de carne e não o consumo dos derivados também, que como já havia dito antes, causa exploração por mais tempo e depois a morte da mesma maneira, e isso confunde e engana o consumidor que acredita que só deve se preocupar com a questão do animal em relação a carne, além do mais, ao optar pelo incentivo apenas um dia na semana e motivado por uma dedução do excesso de consumo de carne praticado no final de semana (confiram no site da campanha), a campanha acaba por considerar que um dia na semana é o suficiente, tranquilizando o público, que ao ficar sem comer carne na segunda-feira se sentirá com a consciência tranquila podendo então praticar excessos nos finais de semana e que seu dever mínimo em relação aos animais (e meio ambiente) está sendo cumprido ao largar apenas a carne e apenas na segunda, o que é um enorme engano, se queremos falar de direitos animais devemos tornar explicito e claro a mensagem, que se consideramos os interesses dos animais, isso no mínimo, quer dizer que sejamos veganos ou incentivemos as outras pessoas a serem veganas (todos os dias da semana).

 

Promover o “vegetarianismo ovolacto” (excluir apenas as carnes) além de ignorar o sofrimento dos animais que sofrem com a exploração dos derivados é também subestimar a inteligência das pessoas em aprender “novas coisas” e a capacidade delas de ter senso crítico, de refletir e o mais grave subestimar a capacidade delas de mudar.

Se não promovermos o veganismo, quando que as pessoas vão saber que ele existe?
E quando elas terão a oportunidade de conhecê-lo e se tornarem veganas?

Está na hora de todos nós pararmos de acharmos ruim com o fato das pessoas não fazerem a ligação da exploração com o que consomem, por elas não saberem corretamente o que é direitos animais, o que é especismo, o que é veganismo e por que devemos mudar nossos pensamentos e atitudes em relação aos animais, essa falta de conhecimento alheio que existe por aí, é por culpa nossa mesmo, que consideramos nosso ego a frente do sofrimento dos animais, que nos calamos diante de certas situações com medo de constranger alguém ou de parecer ridículo, na verdade, constrangedor e ridículo é o que fazem com os animais.

“A abolição animal não descerá dos céus sob uma luz radiante, ela precisa ser construída!”

E isso só vai mudar quando o veganismo estiver na boca do povo, e isso não vai acontecer, nem a curto prazo, nem a longuíssimo prazo, caso façamos campanhas incentivando apenas o problema moral da carne e em um dia da semana, talvez mude em 4013, mas duvido muito.

É presunçoso, é vaidoso de nossa parte acreditar que nós temos a capacidade de pensar sobre o problema ético do uso dos animais como propriedade e decidirmos ser pessoas veganas e acreditar que as outras pessoas não são capazes… por que nós seríamos tão especiais assim?

Em resumo, faço minha, as palavras de Gary Francione sobre a campanha Segunda Sem Carne:
“O fato de que alguém não vire vegano do dia para a noite não significa que nós devemos ser condescendentes encorajando-os a acreditar que há uma distinção moral entre carne e outros produtos de origem animal, como representado pela campanha “segunda-sem-carne”. Nós devemos SEMPRE ser claros: Não podemos justificar o consumo de qualquer produto de origem animal. Ponto final. Sem carne, leite, manteiga, queijo, ovos, etc. Não há uma coerente distinção moral entre carne e outros produtos de origem animal. Ponto final.”

 

Inicialmente apoiei ao Vegfest, mas sem me dar conta de que toda força política e financeira proveniente do congresso poderia resultar em apoio a certas campanhas, e no caso, como veganismo é evitar ao máximo todo e qualquer tipo de exploração animal por considerar os interesses dos animais não-humanos, não seria um tanto quanto vegano de minha parte apoiar um evento que concederia apoio a campanhas não-veganas.

Portanto, as questões aqui apresentadas, que ainda geram dúvidas em relação ao real posicionamento vegetariano ou vegano da entidade devem ser repensadas e esclarecidas, para que não haja mais confusão, inclusive no passado pensei em ser associado a SVB e até mesmo criar um grupo SVB local, mas tudo isso não foi concretizado devido a essas mesmas questões.

Se for um erro de comunicação, um ruído, eu mesmo me proponho a voluntariamente corrigir os termos de vegetarianismo para veganismo dentro do site, mas questões mais complexas como as campanhas, ou o pensamento interno da SVB, realmente precisam ser resolvidas pelos responsáveis por essas áreas e departamentos, e o trabalho do movimento (e os associados) é estar atento a essas questões.

O envolvimento da entidade com a causa animal e o fato de se posicionar e afirmar perante a mídia como a mãe do movimento no Brasil, e a entidade mais ativa no país, supõe-se, principalmente, aos leigos, que ela sabe o que fala e o que faz, e afirmações como essa trazem um enorme peso e visibilidade para a Sociedade Vegetariana Brasileira, mas também traz uma enorme responsabilidade da qual ela não cumpre o papel corretamente se promover o “vegetarianismo ovolacto”.

 

Me prevenindo a possíveis respostas neste sentido e como um último suspiro vi comentários afirmando que a Segunda Sem Carne trata-se de uma estratégia, uma forma de tornar mais aceitável aos ouvidos alheios, mas que ela promovia sim o veganismo, não vou me aprofundar nesta parte, pois os comentários que fiz acima acerca da “nossa” vaidade em subestimar as pessoas já respondem muito bem a essa pergunta, só queria complementar aqui que se existe uma estratégia é pensar nos direitos animais e uma das táticas coerentes seria combater o especismo através da propagação do veganismo, e que disfarçar-se como uma coisa para no fundo querer outra, só seria válido em uma situação onde um ativista se infiltrasse dentro da indústria para registrar e tornar público as atrocidades que ali acontecem, do contrário, não vejo outra motivação para tal atitude.

Devemos levar o interesse dos animais em primeiro lugar, caso queiramos nos envolver com o movimento de direitos animais e não colocar foco nas subjetividades humanas e a partir dela criar uma campanha.

Como citei no começo esse texto não trata de incitar guerra alguma, apenas de promover um debate necessário e todo movimento que se preze possui suas discussões e reflexões que são necessárias para o amadurecimento do mesmo, e toda sociedade, organização ou coletivo que se intitular defensor dos animais faz parte desse movimento, portanto, também está sujeita e deve fazer parte de diálogos e as questões aqui tratadas são essenciais sobre os rumos que possa tomar o futuro do movimento direitos animais no país, com campanhas com mensagens incompletas ou confusas ou campanhas que não tenham como objetivo um tema só, mas sim a promoção do veganismo abolicionista e dos direitos animais em sua amplitude e universalidade.

Nesse momento, espero que todos, amantes, voluntários, funcionários da Sociedade Vegetariana Brasileira que dão o seu melhor para a sociedade e até mesmo aqueles que não possuem ligação alguma com a SVB repensem seus atos, assim como repensei o meu, não levem para questões pessoais, caso não sejam veganos, vegetarianos não se sintam ofendidos, mas provocados a refletir, se por acaso sejam parte da entidade e tenham um amor próprio por ela, por algum benefício de conhecimento que ela tenha proposto e ensinado, ou pela importância pessoal que ela tenha para cada um, ótimo, perfeito, mas não se sintam ofendidos pessoalmente, por uma crítica que se direciona especificamente a uma pessoa jurídica e suas campanhas, que não possui sentimentos, muito menos senciência e em nosso meio sabemos muito bem o que significa isso.

Preparei com cuidado (e carinho) esse trecho, tanto por alguns dos meus amigos que são da SVB (e espero que assim continue), mas também para que eles e todas as outras pessoas saibam a partir deste texto dar a diretriz correta e direcionar de forma sábia o movimento direitos animais, e entendamos que algumas das questões aqui apresentadas são extremamente importantes para debatermos, compreendermos e nos posicionarmos, uma coisa é pensar diferente, criar estratégias diversas e fazer ativismo de sua maneira, escrevendo um livro, desenvolvendo receitas, conversando com a sociedade na rua (essa variedade é necessária se queremos mudar a cultura especista) e algo imensamente “mega-hiper-super” diferente a essa diversidade necessária é se traçamos um caminho pelos animais (abolicionista/vegano) ou um caminho que não irá levar a mudança de pensamento significativa e urgente como se faz necessário cada vez mais nos dias de hoje e isso é fundamental para que possamos trabalhar juntos (incluo aqui toda pessoa física e jurídica que luta pelos animais nesse país).

E o quanto mais rápido tivermos nosso caminho aliado e com atividades diversas pelos direitos animais e veganismo melhor para todos, principalmente para aqueles que mais precisam de nós: os animais não-humanos.

 

REFERÊNCIA:
– Estatuto da Sociedade Vegetariana Brasileira

– Site da Campanha Segunda Sem Carne e Merenda Vegetariana

– Teoria Abolicionista de Gary Francione

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