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Gentil e generoso, Rynn Berry contribuiu muito para o movimento animalista no Brasil.

Rynn Berry foi um amigo querido, um professor, um exemplo de ativista. Foram dezenas de encontros com ele no Brasil e no exterior. Nosso tempo juntos ao longo de alguns anos de convivência se deu em meio a conferências sem tempo para conversarmos, em refeições com amigos (ou na casa de amigos) com muito para conversarmos e em passeios familiares dentro e fora da cidade com tempo de sobra para conversarmos. Quase sempre acompanhado de sua fiel amiga Chris Suzuki, foram muitos os momentos de aprendizado e troca de experiência. Nesse tempo que passamos juntos tive o privilégio de conhecer a pessoa além do autor e ativista que muitos conheceram. Gentil e generoso, sempre disposto e disponível, Rynn não poupava esforços para passar adiante o conhecimento adquirido com suas pesquisas e demonstrava claramente ter prazer em fazer isso.

Rynn visitava o Brasil pelo menos duas vezes ao ano. Sempre ficou hospedado na casa de uma amiga a poucos metros da minha residência e com isso não faltavam oportunidades de encontros programados e imprevistos. Rynn gostava de estar no Brasil por causa do clima, das frutas, das paisagens, das pessoas.

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Nos anos em que se realizava o Encontro Nacional de Direitos Animais (ENDA) organizado pelo VEDDAS, Rynn visitava o Brasil por três vezes naquele ano. Ele disse em algumas ocasiões que, na sua percepção, o Brasil estava algumas décadas atrás em relação a outros lugares do mundo no que diz respeito ao desenvolvimento do movimento pelos direitos animais, percepção da qual eu também compartilho. Por isso, Rynn não me media esforços para contribuir com o movimento no Brasil. Ele veio por conta própria para as 3 edições do Encontro Nacional de Diretos Animais, algumas vezes chegando e retornando diretamente para o aeroporto. Ele realmente visitava o Brasil com o único propósito de participar do evento e encontrar com os ativistas brasileiros que o respeitavam e com alguns dos quais ele compartilhava a sua amizade. Seus momentos favoritos do ENDA eram as noites onde as pessoas faziam as suas apresentações artísticas e principalmente a noite em que acendíamos a fogueira. Rynn adorava estar conosco ao redor da fogueira, conversar e observar as pessoas, perguntar sobre o significado das letras das músicas que eram cantadas animadamente ao violão nesse e em outros momentos desse encontro cuja história ele ajudou a construir. Seu irmão conta que Rynn comentou com ele no Natal sobre o quanto ele estava animado para vir ao próximo Encontro Nacional de Direitos Animais em abril de 2014. A edição de 2014 do ENDA trará um momento especial de homenagem a Rynn Berry e sua obra.

Diferente do que noticiou um jornal estadunidense, o motivo de sua viagem agora em janeiro não era para participar de uma conferência no Brasil (essa seria para participar do ENDA em abril), mas sim de passar as suas férias no Brasil e, como costumava fazer, fazer palestras informais para pequenos grupos em São Paulo e no Rio de Janeiro enquanto se atualizava sobre as novidades do movimento local, tema sobre o qual ele sempre se interessava.
Rynn teria ficado até o seu aniversário em 31 de janeiro, data que ele também havia planejado passar aqui no Brasil como fez algumas vezes em anos anteriores. Recordo que na mesma data no ano passado (ou teria sido no anterior) almoçamos juntos com a Chris Suzuki da forma que ele gostava que fosse: uma celebração simples, assim como eram a sua personalidade e o seu modo de vida.

Mesmo em férias, suas passagens pelo Brasil não eram isentas de atividades como palestras e outros momentos em que ele pudesse compartilhar o seu conhecimento. Além do ENDA, foram dezenas de apresentações realizadas no restaurante VEGETHUS em São Paulo, o qual Rynn carinhosamente avaliou em seu livro “The Vegan Guide to New York City” co-autorado com Chris Suzuki como estando entre os cinco melhores restaurantes vegetarianos do mundo. Foi a partir desses encontros no VEGETHUS que Rynn passou a conhecer melhor os ativistas e o movimento pelos direitos animais no Brasil. Tanto no VEGETHUS como no ENDA, Rynn pode compartilhar, além da sua experiência, também a sua aptidão pelas artes, encenando as pequenas peças teatrais escritas por ele, vivendo com figurinos improvisados os personagens de Buda e Leonardo Da Vinci, personagens os quais além de encenar também dirigiu em algumas ocasiões. Rynn já estava com uma palestra agendada em uma escola pública em São Paulo, onde ele já havia palestrado em anos anteriores, e certamente os ativistas paulistanos teriam tido o privilégio de mais um encontro com ele nesse mês de janeiro.

Rynn também era um corredor amador. Ao lado de Chris Suzuki, participou de diversas maratonas, inclusive algumas edições da Maratona de São Silvestre em São Paulo. Em algumas provas, ambos nos deram a honra de correr com a camiseta do VEGETHUS e em outros momentos com a camiseta do VEDDAS, como uma forma de representar o veganismo durante a sua atividade esportiva.

A notícia sobre o falecimento de Rynn Berry foi divulgada no dia 09 de janeiro de 2014 com alguns erros, o que poderia ser desimportante já que não muda o fato que realmente importa, mas tendo sido Rynn um historiador, eu acredito ser importante que os fatos e as circunstâncias sejam esclarecidos para que possa ser feito o registro correto. Rynn deveria ter embarcado de Nova Iorque para o Brasil no dia 31 de dezembro, chegando a São Paulo no dia 01 de janeiro. Não tendo chegado conforme programado, sua amiga Chris Suzuki, que o esperava, iniciou uma busca junto às companhias aéreas. A informação obtida foi a de que Rynn não havia embarcado. Diante disso, iniciou um exaustivo contato com o Consulado Americano em São Paulo, o qual colocou todas as dificuldades possíveis para considerar uma busca em seu país, de onde era certo que ele não havia saído, mas ainda assim não encontrou qualquer disposição do Consulado em cooperar. A polícia de Nova Iorque também não se dispôs a registrar um queixa à distância, exigindo que alguém estivesse presente para fazer esse registro. Chris tentou contatar a família, mas sem sucesso até o dia 07 de janeiro. Foi nessa data que a foto de um homem sem identificação que havia sido encontrado em um parque em Nova Iorque foi veiculada em um telejornal a pedido dessa mesma polícia que havia se recusado a registrar à distância a queixa de uma pessoa desaparecida que poderia ter sido prontamente relacionada à pessoa que o mesmo departamento de polícia buscava identificar.

Rynn foi encontrado desmaiado no Prospect Park no Brooklyn em Nova Iorque há menos de um quilômetro de sua residência no dia 29 de dezembro (e não 31 de dezembro como alguns veículos noticiaram). Segundo corredores que estavam no local, Rynn estava correndo quando desmaiou. Ele recebeu os primeiros socorros enquanto a ambulância era aguardada levando 10 minutos para chegar. Rynn só foi identificado no dia 07 de janeiro. Ele chegou ao hospital no dia 29 de dezembro com morte cerebral e os seus pulmões foram mantidos em funcionamento por máquinas até que a sua identificação fosse possível para que a decisão sobre a destinação dos seus órgãos pudesse ser tomada. No dia 09 de janeiro, às 12:30, os equipamentos foram desligados.

Eu pude acompanhar de perto cada novidade que surgia a partir da busca conduzida por Chris Suzuki (sua melhor amiga e que estava no Brasil à espera dele). Durante esse período, Chris estabeleceu contato constante com a família a partir do momento em que ela conseguiu uma resposta da parte deles. Os esforços de Chris foram essenciais para que Rynn pudesse ter sido localizado. Também foram os seus esforços que garantiram que os desejos de Rynn sobre a destinação de seus órgãos e de suas obras fossem levados ao conhecimento da família.

Desde antes do desligamento das máquinas que mantinham o seu corpo em funcionamento, um pequeno grupo, no qual eu me incluo, foi sendo formado para tratar de finalizar as suas obras ainda não publicadas e cuidar de sua extensa biblioteca particular. Talvez os detalhes sobre como Rynn se foi sejam importantes para o registro da história do historiador, talvez não, mas o que realmente importa é como ele viveu e o legado que ele deixou para todo um movimento.

Seu trabalho foi único e é difícil mensurar o seu impacto. Começou a praticar a e difundir o veganismo há 30 anos em um tempo em que poucos estavam interessados sobre o tema. Especializou-se com excelência no ramo da história do vegetarianismo criando e ocupando um espaço para o qual não há nesse momento no mundo todo uma pessoa que possa substituir essa lacuna que foi deixada. Como amigo e indivíduo, Rynn jamais poderá ser substituído.

George Guimarães
Amigo de Rynn Berry, São Paulo, Brasil

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