Direitos Animais vs. Bem-estar Animal
A teoria do bem-estar animal afirma que é totalmente aceitável usarmos animais não-humanos para fins humanos, contanto que tratemos esses animais “humanitariamente” e não lhes causemos sofrimento “desnecessário”.
O objetivo do bem-estar animal é a regulamentação do uso de animais.
A teoria dos direitos animais afirma que nós não temos justificativa moral para usar os animais não-humanos para nossos fins, por mais “humanitariamente” que os tratemos. O objetivo dos direitos animais é a abolição do uso de animais. Essas abordagens são muito diferentes.
A diferença da posição do bem-estar animal e a dos direitos animais se assemelha à diferença entre aquelas pessoas que, nos Estados Unidos do século XIX, queriam regulamentar a escravidão para deixá-la mais “humanitária” e aquelas que queriam aboli-la.
Algumas pessoas, chamadas de “neobem-estaristas”, afirmam que podemos conseguir a abolição do uso de animais por meio de mudanças incrementais que melhorem o bem-estar animal. Por exemplo, elas alegam que tornando o abate mais “humanitário”, ou “melhorando” o tratamento dado aos animais usados em experimentos, eventualmente aboliremos o uso de animais na nossa comida ou na experimentação. Não há nenhuma evidência que sustente esse ponto de vista. O bem-estar animal já existe há 200 anos na maioria dos países ocidentais, e não levou à abolição de nenhum uso institucional de animais. Estamos usando mais animais agora, e de maneira mais horrendo, do que em qualquer época da história humana. Se o bem-estar animal tiver algum efeito, é o de tender a facilitar a exploração dos animais, porque faz as pessoas se sentirem melhores quanto a usá-los.
Algumas pessoas dizem que mudanças bem-estaristas tornam as coisas melhores para os animais que estão aqui e sofrem agora. Mas, de novo, não há nenhuma evidência que sustente essa afirmação. Por exemplo, se aumentarmos um pouquinho o espaço dado às galinhas usadas na produção de ovos, isso poderá resultar em uma pequena diminuição do desconforto das aves no futuro. Entretanto, se essa mudança fizer as pessoas pensarem que as galinhas estão sendo tratadas “humanitariamente”, elas poderão continuar a consumir ovos – talvez até mais – ao invés de parar de comê-los ou diminuir seu consumo. Em outras palavras, levar as pessoas a pensarem que a exploração animal está mais “humanitária” poderá fazer com que o saldo de sofrimento seja maior, particularmente se considerarmos que a maioria das regulamentações bem-estaristas oferecem pouca proteção, para começo de conversa.
Algumas pessoas e organizações de destaque na defesa animal têm promovido campanhas para fazer cadeias de fast-food exigirem que seus fornecedores usem métodos de abate mais “humanitários”. Mesmo se – um grande “se” – esses padrões resultarem em alguma diminuição do sofrimento animal, qualquer benefício acaba tendo menos peso do que a vitória, em termos de relações públicas e marketing, dada de mão beijada aos exploradores. Essas cadeias de fast-food, agora, podem alegar que os defensores dos animais elogiam o tratamento “humanitário’ que eles dão aos animais no abatedouro. Fora o fato de que essas “melhorias” nos processos de abate terão muito pouco (se é que algum) efeito prático, e apoio dos defensores dos animais só pode colaborar para que o público se sinta mais à vontade quanto a consumir produtos animais. Esses tipos de campanhas não representam um progresso, na verdade, representam um grande retrocesso.
A proteção oferecida pelas leis e regulamentações bem-estaristas geralmente se limita ao que é exigido para explorar o animal de uma forma economicamente eficaz. O bem-estar animal não reconhece que as outras espécies têm qualquer valor, exceto como mercadorias com valor extrínseco ou condicional. A maioria das campanhas do bem-estar animal são explicitamente baseadas em tornar a exploração animal mais lucrativas para os exploradores. Por exemplo, a campanha nos EUA para substituir as celas de gestação de porcas por um sistema alternativo é baseada no argumento de que as porcas criadas nessas situações alternativas são mais sadias e produtivas, o que aumenta os lucros dos exploradores.
Alguns defensores dos animais alegam que podemos ser “não-veganos conscienciosos” se comermos produtos animais produzidos “humanitariamente”. Fora o fato de que esses padrões “humanitários” oferecem pouca proteção, a posição desses defensores é problemática. De um modo geral, é claro que é “melhor” causar menos dano do que mais danos, uma vez que você tenha decidido causar dano. Por exemplo, é “melhor” que um estuprador não bata na sua vítima, além de estupra-la. Mas será que podemos dizer que um estuprador que não bate em sua vítima é um “estuprador moralmente consciencioso”? Claro que não. Da mesma forma, se formos infligir danos aos animais, é “melhor” infligir menos dano do que mais dano. É “melhor” comer um animal que foi menos torturado do que mais torturado. Mas será que isso significa que estaremos agindo moralmente, se comermos o animal que foi menos torturado? Da mesma forma que não podemos ser “estupradores conscienciosos”, não podemos ser “não-veganos conscienciosos”, podemos? Não, não se acreditarmos que os animais são membros da comunidade moral (que possuem direitos).
Será que o fato do bem-estar animal ser ineficaz e contraproducente significa que não há nada que possamos fazer agora para ajudar os animais, reduzir seu sofrimento e trabalhar pela abolição? Não, não significa. A coisa mais importante que podemos fazer como indivíduos é nos tornar abolicionistas em nossas próprias vidas – nos tornar veganos, não consumindo nenhum produto de origem animal. Vegana é a pessoa que não come carne, ovos ou laticínios, não veste roupas feitas de animais e não usam produtos que contenham ingredientes animais e nem tenham sido testados em animais. Mas o que há de errado com o laticínio? Ninguém mata animais para fazer produtos com o seu leite, mata? Mata sim. Os animais usados para a produção de leite e ovos são mantidos vivos por mais tempo do que os usados para carne, são tratados tão mal quanto estes (senão pior ainda) e terminam no mesmo abatedouro. Há provavelmente mais sofrimento em um copo de leite do que em um bife. O veganismo ajuda a diminuir o sofrimento animal de forma significativa. Toda pessoa que se torna vegana representa uma diminuição na demanda por produtos animais. Se você concordar com a ideia de que direitos animais significa abolição, então o veganismo é a única escolha moralmente consistente que você pode fazer. Assim como uma pessoa que possuísse escravos humanos não pudesse afirmar, com coerência, que fosse a favor da escravatura, uma pessoa que continue a consumir produtos animais não pode, consistentemente, ser uma defensora dos animais e da abolição da escravatura animal.
Há mais alguma coisa que você possa fazer além de se tornar vegano? Sim. Você pode educar os outros sobre o veganismo e a necessidade de se abolir a exploração animal. Tente conversar sobre veganismo com ao menos uma pessoa por dia. Se, no decorrer de um ano, só algumas dessas pessoas se tornarem veganas, você terá reduzido mais sofrimento do que gastando seu tempo em trabalhar por leis que vão dar 2 cm de espaço extra a uma galinha em uma gaiola de bateria.
É possível buscar alguma mudança legislativa ou regulamentar significativa que ajude a alcançar a abolição? Sim, é possível, mas em termos práticos é muito difícil porque os animais são propriedades, e a lei protege os interesses dos proprietários. Caso alguns defensores queiram insistir na busca por tais mudanças, eles devem buscar a proibição de certas formas de exploração animal, em vez regulamentações que visam tornar a exploração mais “humanitária”. Proibições podem ajudar a erradicar incrementalmente a condição de propriedade dos não-humanos. Por exemplo, uma proibição de armadilhas dentadas é melhor do que uma exigência de que se usem apenas armadilhas dentadas acolchoadas. Uma lei que diga que nenhum animal pode ser usado para certo tipo de experimento é melhor do que uma lei que exija que os animais em experimentos sejam tratados “humanitariamente”.
Uma proibição abolicionista deve sempre reconhecer o valor inerente dos não-humanos; nunca deve propor uma alternativa supostamente mais “humanitária” a uma menos “humanitária”; e deve sempre estar acompanhada de um apelo a favor da abolição de toda de toda a exploração animal. Mas o veganismo e uma educação vegana/abolicionista criativa são as coisas mais importantes que nós podemos fazer no momento atual. Para que haja, algum dia, alguma mudança significativa no nosso tratamento dos não-humanos, precisamos estabelecer uma base política para essa mudança; precisamos ter uma massa crítica de gente comprometida com a abolição.
Exemplos de educação vegana/abolicionista incluem:
- Ensinar sobre veganismo em uma escola de ensino básico de sua cidade;
- Dar aulas de culinária vegana em um centro comunitário;
- Ter uma banca de comida vegana em mercados e festivais;
- Organizar boicotes legais de determinados produtos animais ou uso de animais;
- Organizar manifestações pacíficas e outros eventos em que você forneça informação impressa e educação sobre o veganismo e a necessidade de se abolir a exploração animal.
Precisamos educar, educar, educar. Educar o público sobre o veganismo do ponto de vista moral, ambiental e da saúde tem de ter prioridade máxima. Alguns defensores dizem que primeiro a maioria das pessoas se torna vegetariana e continua a comer laticínios, ovos, etc. antes de se tornar vegana e que, portanto, deveríamos encorajar o vegetarianismo em vez do veganismo. Essa posição não faz sentido. Mesmo se for verdade que a maioria das pessoas não passa direto do consumo de carne, laticínios, mel etc. para o veganismo, e sim para o vegetarianismo (na medida em que o vegetarianismo signifique consumir produtos de origem animal). Se promovermos o veganismo, as pessoas que estiverem preocupadas com a questão, mas ainda não quiserem ser veganas, vão se tornar vegetarianas de qualquer modo. Isto é, não impedimos ninguém de dar passos provisórios. Apenas não encorajamos as pessoas a acreditarem que os passos provisórios (continuar consumindo produtos de origem animal) são moralmente aceitáveis. Se encorajarmos passos provisórios como moralmente aceitáveis, então podemos estar certos de que muita gente vai dar apenas esses passos provisórios.
A mensagem deve ser clara e resistente: dizer que é moralmente comer laticínios, mas não comer carne (ou vice-versa), é como dizer que está certo comer porcos grandes, mas não porcos pequenos. Não há nenhuma distinção a ser feita entre carne e laticínios.
E quanto ao uso da violência em apoio aos direitos animais? A teoria dos direitos animais é uma teoria de paz, não de violência. O defensor dos direitos animais se opões à violência praticada contra humanos quanto contra não-humanos.
* Texto adaptado de acordo com os princípios de eficiência e comunicação do Site Camaleão.
Apresentação baseada no livro “RainWithoutThunder: The Ideologyof Animal RightsMoviment” de Gary L. Francione.
Referência:
Direitos Animais vs. Bem-Estarismo. Disponível em vídeo no site Abolitionist Approach.
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