Nick Jukes, coordenador da InterNICHE, Rede Internacional de Educação Humanitária, promove a utilização de métodos substitutivos ao uso de animais na educação e em treinamentos. Coautor do livro “From Guinea Pig to Computer Mouse” (Do Porco Guinea ao Mouse do Computador), visitou o Brasil em setembro de 2012 e deu um workshop durante o encontro do GEDA, Grupo de Estudos de Direitos Animais em São Paulo.
ANDA – Nick, fale um pouco do seu trabalho na InterNICHE.
Nós trabalhamos com estudantes e educadores para transformar a educação principalmente nas universidades de medicina, medicina veterinária e biologia. Em alguns casos trabalhamos no ensino médio e no nível profissional, como por exemplo no treinamento de cirurgias para médicos. Nessas áreas os animais são usados de diversas formas e em diferentes disciplinas como anatomia, fisiologia, farmacologia e cirurgia. Os animais são mortos para dissecação em aulas de anatomia, e são usados vivos em experimentos em aulas de fisiologia, farmacologia, e para treinamento em aulas clínicas e cirúrgicas. Nosso trabalho é substituir totalmente o uso que é prejudicial aos animais.
ANDA – Quais são os tipos de alternativas existentes?
Há ferramentas que não envolvem o uso de animais, como modelos, manequins e simuladores. Esses substituem a maioria dos usos nocivos aos animais. Há também os softwares de realidade virtual, a forma mais avançada de tecnologia, que aplicados na educação podem ser usados como laboratórios virtuais em dissecação digital por exemplo. A realidade virtual traz uma simulação em tempo real, você pode praticar cortar tecidos conectivos, passar um tubo pelo duodeno, você pode aprender fisiologia e os princípios da farmacologia em ambiente virtual. Outro método substitutivo são os programas de obtenção de cadáveres de animais de fontes éticas. Há programas de doação de cadáveres de animais, similar ao programa de doação de cadáveres humanos das universidades. A USP, por exemplo, tem esse programa. Se um animal morre por acidente, naturalmente, ou precisa se eutanaziado, você pode doar o corpo do animal para educação, e dessa forma substituir a morte de animais.
ANDA – Como vocês definem a política de obtenção de cadáveres? Quais são os requisitos para que se considere ética uma fonte de obtenção?
Temos uma política bastante rigorosa pra definir a obtenção ética de animais. Por exemplo, animais que vêm de fazendas de criação ou de laboratórios jamais poderiam ser considerados como eticamente obtidos. Colocamos os objetivos do programa em um nível bastante alto e mostramos que ele pode ser aplicado na prática. Esse é um exemplo de como trabalhar com animais sem que seja necessária a morte para esses fins, e sem prejuízo a eles. Outro exemplo é o trabalho clínico com pacientes. Os estudantes aprendem sob a supervisão de profissionais, essa também é uma forma de substituir os experimentos em animais em cirurgias. Outra forma é a auto-experimentação. Por exemplo, o estudante de fisiologia precisa aprender a velocidade da condução elétrica dos nervos. Através de eletrodos na pele, e pequenos choques no seu próprio braço, você pode medir a velocidade da condução nervosa. Esse exemplo substitui sapos que são comumente usados nessas aulas. Essas são alternativas que substituem os animais e melhoram a qualidade do ensino.
ANDA – E como está acontecendo a substituição? Muitas universidades estão aderindo?
Sim, e é maravilhosa a quantidade de substituições que estão acontecendo no mundo todo. Estou muito satisfeito, esse é um bom momento, há grandes exemplos de substituições sendo feitas, estou inclusive fazendo um documentário sobre isso. Será um filme em 20 idiomas e feito em várias partes do mundo onde eu faço esse trabalho com métodos alternativos ao uso de animais em universidades. Acho que nessa área vai haver um contínuo de substituições, e em parte a tecnologia é responsável, e também pela rede de pessoas que faz isso acontecer, como professores que têm implementado, estudantes que se objetam a fazer aulas com animais e também as companhias que estão trabalhando no desenvolvimento desses novos materiais.
ANDA – E como vocês abordam os professores, as universidades, os alunos?
Não nos aproximamos com uma mensagem anti-vivisseccionista. Nossa abordagem é de educação humanitária, e então dentro do contexto entramos com os métodos substitutivos, e isso atinge o mesmo objetivo que teria se chegássemos com a mensagem de anti-vivissecção. Mas com a abordagem de educação humanitária não precisamos ser “anti-alguma coisa”, porque a mensagem humanitária é muito mais poderosa e positiva. O que fazemos é procurar uma base comum, e se alguém afirma que uma gaiola maior, que menos sofrimento é bom, dizemos que podemos e devemos ir além disso. E assim chegamos na total substituição e apresentamos todas as vantagens dela. Argumentamos no nível pedagógico, na qualidade da educação, e os estudos acadêmicos sobre substituição têm demonstrado isso. Em termos econômicos, por exemplo, os métodos alternativos são mais baratos; no nível ético os métodos substitutivos também são melhores; assim como são melhores para o compartilhamento de ferramentas inovadoras na educação. Então temos argumentos muito poderosos, e os fazemos serem mais acessíveis, por que quem está preocupado com o lado econômico irá concordar conosco; quem se importa com habilidades também; e também irão concordar as pessoas preocupadas com os direitos animais.
ANDA – Quais são os maiores obstáculos para a substituição, Nick?
Enfrentamos o problema da falta de informação, professores que não sabem que há métodos substitutivos, e nem quais métodos existem. Então a divulgação do que estamos fazendo é muito importante. Também desenvolvemos um banco de dados onde alunos e professores podem acessar as informações e temos um sistema de empréstimo, onde os alunos e professores podem experimentar, e testar as alternativas. É importante por que assim damos acesso ao conhecimento. Na Rússia e na Ucrâmia estamos assinando contratos formais com as universidades para substituir totalmente o uso de animais em departamentos ou universidades. Na Índia estamos trabalhando a substituição no nível governamental. Isso tem salvado 50 mil animais por ano. Então uma vez que se substitui, você não apenas salva os animais agora, mas sim a cada ano, e nos anos seguintes. É então mais radical do que o bem-estarismo, mais radical dos que os direitos animais, e mais radical do que a libertação animal, por que muda a atitude através da educação, criando uma revolução em cada departamento, em cada universidade a cada ano que passa.
Workshop traduzido por Bia Dantas, com revisão de Vera Cristofani, e colaboração dos integrantes do GEDA.
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