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Curiosidades.

A adoção de animais como símbolo remonta às sociedades paleolíticas, totêmicas, onde determinado animal, ou um grupo de animais, eram adotados pelos clãs com vistas a servir-lhes de representante.

A escolha do animal-totem era realizada com base na percepção de alguns atributos desejáveis que esse animal expressava, e que deveria ser transmitido para o clã. Era dessa maneira que, simbolizado pelo animal, o clã passava a se considerar filho do animal-símbolo e, como ele, acreditava poder expressar os atributos que nele admirava.

Uma possível evolução desses sistemas theriantrópicos pode ter sido, na antiguidade, o culto a diferentes deuses com formas animais, ou híbridos entre homens e animais , presentes nas antigas religiões egípcia, mesopotâmicas, indianas, da América pré-colombiana, canaanitas, europeias, oceânicas, entre outras.

No Egito antigo Hórus tinha corpo de homem e cabeça de águia, Anúbis tinha corpo humano e cabeça de chacal, Bastet era uma gata ou meio humana meio gata, Seth era meio humano e meio aardvark–animal semelhante a um tamanduá, Tot tinha a cabeça de um íbis…

Na Índia, Ganesha tem corpo humano e cabeça de elefante, Matsya tem corpo de peixe e cabeça humana, Kurma era metade tartaruga, Varaha metade javali, Hanuman é metade macaco e metade homem; na Europa Pan, meio homem meio bode, Cernunnos, meio homem meio cervo, Flídias, meio mulher meio corça.

Tal como muitas vezes os clãs adotavam como totem justamente os animais que com mais frequência caçavam, um grupo podia adotar temporariamente o animal-totem do grupo rival com vistas a vencê-los. Foi por isso que os soldados persas de Cambises II marcharam contra o Egito, em 525 AEC com imagens de gatos (Bastet) pintadas em seus escudos (sua vitória foi garantida porque, além disso, os persas usavam como escudos exemplares vivos de gatos, cães, ovelhas e íbis, o que impedia os egípcios de atirarem contra eles por medo de alvejarem animais sagrados).

Foi provavelmente por isso, também, que os romanos adotaram em seus estandartes muitos dos animais divinizados pelos celtas — o touro (Tarb, Donn), o cão ou o lobo (Cú ou Cúallaid), o jumento ou o cavalo (Epona), o javali (Aper) e o corvo (Badb). Muitos outros animais, como o urso, eram divinizados pelos celtas, e ainda se percebe tal totemização em sobrenomes como McMahon e O’Mahony (ortografia inglesa para o escocês Mac-Mathghamhnae o irlandês UaMathghamhna, que significa Filho do Ursinho ou do Clã do Ursinho).

Mesmo com o advento do monoteísmo (ou do trinitarismo) animais continuaram a ser utilizados como símbolos divinos. Assim, o cordeiro representava o Filho, a pomba representava o Espírito Santo, São Marcos era representado pelo leão,São Lucas pelo boi, São João pela águia, e assim por diante.

No neopaganismo e no neoxamanismo temos um reavivamento do conceito totêmico por meio dos animais de poder. Nessa crença, cada animal possui sua sabedoria armazenada em uma espécie de consciência coletiva, a qual pode ser acessada por pessoas devidamente preparadas, os xamãs. Os animais adotados como animal de poder ensinam aos xamãs, servem-lhe como guias espirituais.

Os brasões de armas dos países e os brasões de famílias talvez sejam o melhor reflexo laico e contemporâneo dos totens adotados pelas antigas sociedades. Animais podem ser adotados como símbolos de países, sociedades e famílias. Assim, muitos países, sociedades e famílias costumam trazer, como portadores de seus escudos (ou representados em seus escudos) animais que lhes digam respeito.

Animais podem dizer respeito a um país simplesmente devido à sua distribuição geográfica local. Assim, o brasão de armas da Austrália traz um canguru e um emu, animais endêmicos do país, o brasão de armas de Botsuana traz zebras, o brasão das Ilhas Maurício traz o extinto dodô e um veado sambar e o brasão da República do Congo trás elefantes segurando o escudo. Embora não conste em seu escudo, os neo-zelandeses se auto-denominam “kiwis”, uma identificação popular com a ave.

Há também representações de animais míticos (como o grifo presente, por exemplo, no brasão da Criméia, o unicórnio presente no brasão da Escócia e do Canadá e o dragão que aparece junto com outros animais no brasão da Islândia), ou não pertencentes à fauna local (como no caso dos leões presentes em brasões da Inglaterra, Armênia, Bélgica, Luxemburgo, nos brasões escandinavos e nos brasões de tantas famílias européias, entre outros). Cada animal tem seu simbolismo, ou múltiplos simbolismos, dependendo da cultura.

Marcas também adotam animais em seus escudos e logos. Assim, temos na Ferrari um cavalo, um crocodilo na Lacoste, a Puma (roupas) utiliza um puma, a Jaguar (automóveis) o jaguar, a Red Bull utiliza dois touros, a Playboy um coelho, a Cavalera uma águia de duas cabeças, a Eckō Unltd utiliza o rinoceronte e a Linux um pinguim. Marcas podem não colocar os animais em sua simbologia, mas ainda assim criar uma identidade com o animal, como a Cofap fez com o cão da raça dachshund e o Sucrilhos Kellogg´s fez com o tigre.

Há também animais simbolizando movimentos e sociedades. Um peixe estilizado tem simbolizado o cristianismo desde seus primórdios; um panda estilizado representa a WWF; uma tartaruga emergindo do ovo é o logo do Projeto Tamar; o coelhinho saltitante representa que os produtos não foram testados em animais.

Que animal melhor representaria o veganismo?
Fazendo uma busca no Google, invariavelmente, os animais que aparecem nas imagens associados ao veganismo são aqueles que são vitimas de exploração por não-veganos (vacas, porcos, galinhas . . .). As imagens mostram esses animais sendo explorados, ou os mostram sendo protegidos, abraçados, por seres humanos carinhosos. Ou ainda, os mostram antropomorfizados, segurando placas com frases de efeito ou fazendo alguma graça, de modo a ganharem a simpatia humana ou nos ensinarem uma lição. Mas esses animais em si não representam o veganismo, por não serem eles mesmos veganos.

Mas que animal melhor representaria o veganismo? Certamente necessitaria ser um animal vegetariano e não necessariamente uma vitima de nossa exploração, pois o animal assim estaria representando os veganos. O problema que encontramos em identificar um animal vegetariano é que tal classificação alimentar é uma convenção humana.

Na classificação dos animais de acordo com sua alimentação, os animais que supostamente se aproximariam mais do vegetarianismo humano seriam os herbívoros (animais cuja alimentação predominante é folívora, frugívora ou granívora), mas mesmo esses animais podem também consumir produtos de origem animal, como insetos,outros invertebrados e mesmo pequenos vertebrados, propositalmente.

Hipopótamos, sempre citados como exemplo de herbívoros, chegam mesmo a abater presas, e consumir sua carne, recorrendo muitas vezes ao canibalismo. Já vi vacas disputarem a carcaça de um coelho que fora prensado junto com o feno utilizado em sua alimentação.

Se formos utilizar critérios rígidos, mesmo um animal estritamente vegetariano (como o coala, por exemplo) não representaria o veganismo, uma vez que a idéia envolve todo um conceito relacionado ao reconhecimento do direito de outras espécies, mas se tal ortodoxia fosse aplicada em todas as esferas de nosso pensamento, jamais animal algum simbolizaria coisa alguma.

Penso que o animal a simbolizar o veganismo deveria ser estritamente vegetariano e, como a maior parte dos veganos atuais, que nasceram em famílias não veganas, mas que emergiram com esse diferencial, esse animal deva representar o vegetarianismo dentro de seu grupo taxonômico.

Há táxons de animais nos quais não conheço um único representante que seja vegetariano por toda a sua vida. Na classe dos anfíbios, por exemplo, ainda que muitos girinos possam se alimentar de algas, adultos invariavelmente são insetívoros ou carnívoros. Portanto, nenhum anfíbio poderia representar o veganismo.

Das cerca de 40 mil espécies de aranhas conhecidas, apenas a Bagheerakiplingi, nativa do México e da América Central, é registrada como baseando sua alimentação em vegetais (folhas e néctar de acácias do gênero Vachellia). Seria um animal interessante a representar o veganismo, mas a verdade é que mesmo essa aranha não é vegetariana, já que se alimenta, ocasionalmente, das larvas de formigas que se alimentam dessa mesma acácia e, as vezes, de indivíduos de sua própria espécie. Essa predação e o canibalismo não combinam muito com o veganismo.

Entre os peixes primeiramente pensei na carpa herbívora (Ctenopharyngodonidella). Ela é, entre todas as carpas, aquela que baseia sua alimentação em algas e vegetais superiores, sendo em inglês chamada Grass Carp. Porém entendo que “carpa” seja nome popular para alguns ciprinídeos, sendo que há outras 2 mil espécies de peixes dessa família que não são chamados carpas, mas muitas delas sendo herbívoras. Além disso, pesquisando um pouco mais, vejo que a carpa herbívora se alimenta também de invertebrados, quando pode. Não é vegetariana.

O tubarão-baleia(Rhincodontypus) seria um representante interessante do veganismo, por ser um animal pacífíco dentro de um grupo de animais predadores vorazes. Mas ser um filtrador de plâncton não o torna um tubarão herbívoro, pois ele engole, sem discriminação, o fitoplâncton (porção do plâncton constituída de vegetais) e o zooplâncton (porção do plâncton constituída de animais). Fazem parte do zooplânctoncopépodos, o krill e outros microcrustáceos, além de larvas de peixes, moluscos, crustáceos, medusas, estrelas-do-mar e ouriços, entre outros animais. Infelizmente não seria um bom simbolismo.

Dentre as serpentes não há registro de nenhuma que seja vegetariana. As serpentes do gênero Dasypeltis são as únicas conhecidas que não se alimentam de animais vivos, mas isso porque elas se adaptaram a uma dieta constituída de ovos. Diversamente ao que possam afirmar algumas auto-denominadas sociedades vegetarianas que deturpam o termo, ovos não são um alimento vegetariano.

Das sete espécies de tartarugas marinhas conhecidas, apenas a tartaruga-verde (Cheloniamydas) baseia sua alimentação em algas marinhas. Mas essa predominância de herbivoria não significa vegetarianismo, visto que ela eventualmente se alimenta também de peixes, moluscos e crustáceos.

Ursos pandas, ursos marrons do Himalaia ecivetas das palmas são mamíferos que pertencem à ordem dos carnívoros e mantém hábitos alimentares predominantemente herbívoros. Mas são animais que também caçam pequenas presas.

Entre nossos parentes mais próximos, os primatas, o consumo proposital de insetos e outros invertebrados mesmo em espécies que baseiam sua alimentação em folhas e frutos é a regra. Chimpanzés, sempre citados como herbívoros, podem até mesmo caçar macacos menores.

Mesmo entre Macacos do Velho Mundo (cercopithecini) com especializações digestórias que os fazem assemelhar-se a ruminantes (primatas do gênero Colobus) e entre langures (Presbytis spp.), quase sempre descritos como folívoros, há um consumo ocasional, e intencional, de alguma quantidade de insetos juntamente com a dieta predominante de folhas e sementes.

Dentre os Macacos do Novo Mundo (Platyrrhini), omono-carvoeiro e o macaco-aranha poderia ser bons representantes do vegetarianismo, por basearem sua alimentação primariamente em folhas e frutos, mas também em outros constituintes vegetais. Há, porém, autores que os citam consumindo insetos, ainda que passivamente (por exemplo, vespas de figos ou cupins alojados nas cascas de árvores consumidas). Esse consumo acidental não os demoveria de serem representantes, mas em raras ocasiões esses animais são reportados consumindo propositalmente insetos e suas larvas.

Pensei que talvez o animal-símbolo pudesse ser uma ave de rapina (coruja, falcão, águia, abutre, etc) vegetariana, mas a verdade é que tal animal provavelmente não existe. Há sim um abutre africano, o Gypohieraxangolensis, que se alimenta principalmente de frutos de dendê e outras palmeiras, mas quando pode também pesca peixes e invertebrados aquáticos, atacando também aves domésticas.

O Jacu-Cigano
De toda a revisão acima, creio que o animal que melhor se aproximaria do vegetarianismo seria o muriqui-do-sul (Brachytelesarachnoides), porém, há um animal único ainda não citado e que, aparentemente, representaria melhor o vegetarianismo. Trata-se do jacu-cigano (Opisthocomushoazin), habitante dos pântanos e mangues da região amazônica e da bacia do Orinoco.

Trata-se de um animal que desperta a curiosidade, em primeiro lugar por seu aspecto reptiliano, jurássico, que lembra o Archaeopteryx. Seus filhotes possuem garras nas asas, uma adaptação secundária para ajuda-los a prender-se nas árvores e trepadeiras sem cair nas áreas alagadas abaixo. Em segundo lugar, embora lembrem um faisão ou um jacu, esses animais sequer pertencem à mesma ordem dessas aves, sendo únicos representantes vivos de uma ordem própria.

O que torna o jacu-cigano o melhor representante animal do vegetarianismo são seus hábitos alimentares. Consumidor principalmente de folhas (mais de 80% de sua alimentação), a ave consome também flores e frutos de aninga, siriúba e das plantas que crescem nas áreas alagadas e ribeirinhas dos rios onde habitam, como os aguapés. Autores que descrevem sua dieta reportam que se há algum consumo de insetos ou outros produtos de origem animal ele é puramente acidental.

O jacu-cigana possui adaptações em seu sistema digestório (um papo proporcionalmente maior que o encontrado em outras aves, que representa 50 vezes o volume de seu estômago, e dividido em duas câmeras) que lhe permite lidar com a matéria vegetal grosseira e os compostos aromáticos das folhas, à semelhança do que ocorre nos herbívoros que possuem um ceco aumentado e dos ruminantes, com seu estômago dividido em 4 diferentes câmeras de fermentação. Creio que seja, dentre todos os animais, o que melhor representa o vegetarianismo.

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