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Poluindo a língua para criar eufemismos e esconder massacres

Já faz muito tempo que me sinto muito incomodado com o tipo de vocabulário usado em nossa sociedade, quando o assunto é a brutalidade com que tratamos os animais.

Precisamos acabar com os jargões utilitaristas e consumistas que são empregados para justificar a degradação ambiental e a crueldade infligida aos animais não humanos.

A primeira palavra que precisa ser abolida é “colheita” (“harvest”, em inglês), quando o tema é a matança de animais.

Não se “colhem” focas, porcos, golfinhos, cervos, peixes ou qualquer outro animal. Essa palavra não faz sentido. Pode-se colher milho, laranjas ou maçãs, mas não focas ou peixes. Constatei que os fazendeiros nem usam esse termo com relação aos porcos e vacas. Eles matam esse animais (ou “abatem” – eufemismo em português), não os “colhem”.

Pergunto, então, por que usar essa palavra para focas e golfinhos? É apenas mais uma tentativa de mascarar, com a linguagem, a sordidez de seus atos, justificando seus crimes através da negação dos mesmos.

O governo canadense chegou até a tentar qualificar bebês focas como adultos, definindo “adulto” como “qualquer foca acima de três meses de idade”. Eu entendo que qualquer foca que ainda não saiba nadar, não tenha como fugir e se encontre indefesa em cima de um bloco de gelo flutuante é, sem dúvida, um bebê.

Não se trata de uma caça às focas. Assassinar com pauladas bebês focas indefesos nos bancos de gelo, que são uma espécie de maternidade natural desses mamíferos, não é caçar, mas sim, uma cruel e monstruosa chacina de indefesas e inocentes criaturas.

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Vejamos a palavra “sustentável”. Essa pérola foi criada pela matadora de baleias Gro Harlem Bruntland, ex-primeira ministra norueguesa. Ela era totalmente voltada ao conservacionismo ambiental, desde que fosse fora das fronteiras da Noruega e longe dos navios pesqueiros noruegueses.

O termo “sustentável” surgiu na época da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992. E o que isso quer dizer? Quando se despe essa palavra de seu poder de indução e de sua imagem ecologicamente correta, criada pela publicidade, o que resta é seu significado real: negócios, como sempre.

Por exemplo, há muita discussão sobre o valor da “pesca sustentável”. Não consigo pensar em muitas indústrias pesqueiras verdadeiramente “sustentáveis”. Praticamente, todo comércio pesqueiro no mundo está à beira da ruína, mas ainda é possível encontrar bacalhau ou atum pescados de “forma sustentável” (pelo menos, é isso que consta no rótulo).

Em um mundo com sete bilhões e meio de pessoas, palavras como “sustentável” significam muito pouco. Imagine que cada pessoa da terra consuma um peixe por semana. São quase sete bilhões e meio de peixes por semana ou 390 bilhões de peixes por ano. Os oceanos não aguentariam tamanha devastação e, em consequência, os peixes estão cada vez mais caros e apenas as nações ricas podem se dar ao luxo de comer peixe, o que significa o envio de gigantescos navios-fábrica da Europa e Japão para as costas da África e da Índia para saquear os peixes que africanos e indianos utilizam para sua subsistência.

Todos os dias, mais de um milhão de navios pesqueiros permanecem em atividade nos oceanos de todo o mundo, retirando dos mares dezenas de milhões de toneladas de peixe a cada semana. Como pode a palavra “sustentável’, mesmo que remotamente, ser inserida no contexto mundial da indústria pesqueira?

A realidade, do ponto de vista ecológico, é que toda pesca industrial deve ser imediatamente proibida, se quisermos proteger os eco-sistemas marinhos. Simplesmente, não há peixes suficientes em todos os oceanos do mundo para suprir a demanda da população humana em constante crescimento. Quando a demanda supera em muito a oferta, a palavra “sustentável” fica totalmente sem sentido.

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Outra palavra que tem sido muito usada atualmente é “estoques” (tradução literal de “stocks”), que soa como se o oceano fosse nosso depósito particular. No ramo pesqueiro usam-se termos como “gerir os estoques”, “os estoques foram reduzidos” ou “os estoques estão saudáveis”.

Isso faz parecer que está tudo limpo. organizado e acessível, já na prateleira do supermercado. O termo correto seria “população”. Não dizemos que há um “estoque doentio de humanos destruindo o meio-ambiente”. Também não dizemos que o “estoque de humanos precisa ser controlado”.
Se as três palavras acima mencionadas forem justapostas, obtém-se “colheita sustentável de estoques” de peixe. É um discurso que nos mantém afastados da natureza.
Às vezes, a palavra “peixe” é substituída por “produto”.

“Sim, senhor, nós pegamos um milhão de tambores de produto nesta temporada, tudo já enlatado e pronto para abastecer o mercado e, é claro, colhido de forma sustentável e humanitária.”

Aqui chegamos ao termo “humanitário”, como por exemplo, em “abate humanitário”. Esse termo incute nas pessoas a idéia de que matar é aceitável, desde que seja de forma “humanitária”. Na verdade, ele quer dizer que a matança de animais é aceitável para nós, humanos, desde que possamos apaziguar nossa culpa, “humanizando” essa ação e, assim, fazer com que tudo fique certo. Desde quando matar tornou-se um ato humanitário?

A palavra “humanitário” é sempre usada para justificar o assassinato de um animal. É a palavra “eticamente correta” usada para substituir o termo “cruel”.

Humanos varrem do planeta 90 milhões de tubarões a cada ano, decepando suas barbatanas e lançando-os de volta ao mar vivos. Isso é descrito como “humanitário”, da mesma forma com que a matança de qualquer animal é vista como “humanitária”.

Nós, humanos, realmente acreditamos que somos uma espécie benévola. Justificamos nossa crueldade e nos autoproclamamos “humanitários” e dotados de bons sentimentos. Por exemplo, se pessoas andassem pela ruas com tacos nas mãos, golpeando e chutando filhotes de gatos, a mídia e a população ficariam indignadas. Com toda razão, ficamos profundamente enraivecidos quando as autoridades chinesas fazem apreensão e matança em massa de cães, mas a maioria das pessoas que reagem dessa forma parecem achar que é perfeitamente normal chutar, golpear e arrancar a pele de bebês focas ainda vivos ou degolar carneiros e cabras.

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A publicidade criou as “galinhas criadas em liberdade”. A imagem associada a essa propaganda é a de galinhas ciscando o chão de terra felizes à procura de insetos. A realidade é que elas só saem de suas celas um pouco antes de serem decapitadas e transformadas em “asas de frango”.

Uma manobra de marketing foi utilizada para distorcer os fatos e fazer com que as pessoas não visualizassem galinhas de verdade com suas asas de verdade. O produto foi rotulado de “asas de búfalo” (“buffalo wings”). E por que isso? Porque, obviamente, búfalos não têm asas, o que dá a elas uma conotação abstrata, desconectada de sua procedência: galinhas reais e vivas.

“Homo Hypocriticus” ou primata hipócrita é o que melhor descreveria nossa espécie. Nós nos autodenominamos “Homo Sapiens” ou seja, criaturas sábias e inteligentes, mas atribuir esse nome a nós mesmos não torna isso verdade.

E foi assim que chegamos ao absurdo de descrever a chacina de focas no Canadá ou o massacre de golfinhos no Japão como “colheita sustentável e humanitária de estoques de focas e/ou golfinhos”.

O simples uso da palavra “humanitário” pode nos fazer crer que ser golpeado na cabeça com um bastão com gancho afiado na ponta é aceitável porque foi rotulado como humanitário.

Imagine a ira das pessoas se abrigos de animais sacrificassem cães e gatos com pauladas na cabeça, em vez de injeção letal. É claro que se evita a palavra “matar” para abrigos, dizendo que colocamos os pobres animais para “dormir” ou usando o eufemismo “eutanasiar”, o que faz tudo parecer mais bondoso e gentil. Injeção letal é considerada mais humanitária do que pauladas, ainda que o resultado final seja sempre a morte.

Constantemente ouvimos falar de como os assassinos de baleias das Ilhas Faroe matam as baleias-piloto de forma “humanitária”, cortando seu pescoço e medula espinhal com uma lança. Isso leva alguns minutos, mas o governo dinamarquês disse que a carnificina é uma “colheita sustentável e humanitária de estoques de baleias-piloto”.

Para piorar ainda mais a situação, algumas baleias receberam o nome de “baleias certas” (“right whales”) porque seus caçadores decidiram que são as baleias certas para matar, já que são lentas e não afundam depois de mortas. Eu preferiria que a baleia certa da Patagônia (Patagonia right whale) se chamasse baleia Patagônia (Patagonia whale).

A pobre pequena baleia Minke foi insultada ao receber como nome a alcunha do Capitão Meinke, conhecido assassino de baleias norueguês, de caráter sádico e que apreciava matá-las. Gostaria que ela tivesse o nome de alguém que a ama e defende, ao invés do de um assassino em série de baleias. Eu chamo essa baleia de baleia Piked (Piked whale).

E por que não se pode chamar um matador de animais de assassino?
O dicionário Merriam Webster define assassinato como o ato de matar outro ser humano, mas acrescenta que matar ou abater um animal de forma desumana ou de forma cruel, também é assassinato.
Homicídio é o termo correto para o assassinato de outro ser humano. Matricídio significa matar a própria mãe e fratricídio é matar o próprio irmão. O sufixo “cídio” exprime a ideia de assassinato. Assim, Cetacídio é o assassinato de uma baleia e Simicídio, o de um chimpanzé.

Nas Ilhas Faroe, a matança das baleias-piloto é chamada, pelos habitantes, de “Grindadrap”. Na língua faroesa, a palavra “grind” quer dizer baleia e “drap” é assassinato, no vocabulário nórdico.
Eu penso que assassinato é o nome certo para o brutal massacre de uma foca, assim como quando um golfinho, uma baleia ou um elefante são mortos.

Humanos sempre gostam de maquiar os fatos para negar responsabilidades quando exterminam vidas de forma premeditada.

Dr. Walter Palmer alega que “pegar” o leão Cecil foi ato legal e humanitário. “Pegar” é outra palavra usada para substituir o termo “matar”. Soa melhor, semelhante ao gesto de pegar um biscoito. Cecil, como o biscoito, foi atingido pelo fogo de forma humanitária.

Acho muito interessante como algumas pessoas que comem carne gostam de exaltar esse fato. Alguns até se consideram reais carnívoros. Um carnívoro verdadeiro cairia na risada ao ficar sabendo dessa imagem exageradamente enaltecida que humanos têm de si mesmos. Carne não é para humanos.. Carnívoros perseguem suas presas, agarram-nas e rasgam sua carne com elas ainda vivas, enfiando os dentes em suas veias até ficarem com o rosto embebido em sangue e seu odor fétido nas narinas.

Sei que existem algumas pessoas bizarras e perversas que comem cérebros de macacos vivos e enguias vivas, enquanto elas se contorcem no prato. mas o ser humano normal não se alimenta de carne viva. Na verdade, os que não são vegetarianos ingerem carniça. Eles comem cadáveres de animais e o nome correto de quem faz isso é necrófago.

Às vezes, a carne que ingerem é a de animais que já estão mortos há semanas, ou mesmo anos. Seu aspecto vermelho e fresco é obtido através do uso de vários produtos químicos como alvejantes e corantes.
Humanos estão mais próximos dos abutres, hienas e chacais do que dos majestosos leões, tigres e lobos, aos quais tentam igualar-se.

Dentro da manipulação semântica, há o enquadramento das pessoas em categorias, numa tentativa de desumanização. Ambientalistas são frequentemente chamados de eco-terroristas, apesar de nenhum ambientalista ter jamais ferido alguém ou praticado ato terrorista. No entanto, corporações como a Union Carbine, Monsanto, BP, Shell e Exxon podem matar pessoas e causar danos inimagináveis ao meio-ambiente, sem que a mídia se refira a elas como eco-terroristas. Normalmente, são as corporações que chamam os defensores da natureza de eco-terroristas. A palavra “eco-terrorista” foi estrategicamente criada pela publicidade com o objetivo de demonizar pessoas compassivas.

Dentro desses estratagemas, não temos mais uma indústria madeireira. Agora ela é chamada de silvicultura, o que vai de acordo com os termos da lei Healthy Forest Initiative (Iniciativa para uma Floresta Saudável), onde uma floresta saudável é aquela onde a extração de seus recursos é feita de forma “humanitária” e, é claro, de forma “sustentável”. Os madeireiros foram transformados em “agentes de preservação das florestas”, que cultivam e colhem de forma a beneficiar as gerações futuras.

Finalmente, chegamos ao termo “conservador”.

O que aconteceu com essa palavra? Conservador tem a conotação de conservar, manter o status-quo. Desde quando conservacionismo tornou-se sinônimo de minar a lei Endangered Species Act (regulamento para proteger espécies criticamente ameaçadas de extinção) ou a lei Clean Air Act (lei para controlar a poluição atmosférica)? Desde quando conservador significa ser anti-conservacionista?

paul-watson-sea-shepherd-poluindo-a-lingua-inglesa-para-descaracterizar-massacres-e-destruicaoComo conservacionista, sempre vi a mim mesmo como conservador, mas agora percebo que a extrema direita radical e seus insanos anti-conservacionistas, que destroem florestas, exterminam a vida marinha e poluem nossos rios, estão agora se intitulando de conservadores e me acusando de ser radical por trabalhar pela conservação da natureza e das espécies ameaçadas de extinção.

Enfim, creio que ficou claro que temos um sério problema de linguagem poluída.


Paul Watson foi um dos co-fundadores da Fundação Greenpeace, organização da qual rompeu em 1977, mesmo ano em que, fundou a Sea Shepherd Conservation Society, da qual é Capitão e opera ações de sucesso contra a matança de animais marinhos pelo mundo.

Tradução por Monika Schorr (Portal Veganismo).

 

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